COM A PALAVRA, JOAQUIM PEDRO DE ANDRADE
"O Tiradentes demorou para tomar proporção dentro do roteiro, o núcleo de partida eram os três poetas. Porque além de termos registrados os seus depoimentos, nos Autos da Devassa, eles escreveram uma série de poesias sobre a Inconfidência. De um lado, um tipo de depoimento um pouco deformado pelo medo, pela pressão do interrogatório. De outro lado a poesia que obedecia em parte a esta motivação, mas tinha um olho muito fixo na posteridade. Gonzaga, por exemplo, várias vezes fala para a posteridade. Eles todos tinham muita consciência do julgamento da história.
No fundo os personagens principais seriam mesmo os três poetas, o filme tem muito da visão interna dos três poetas sobre os acontecimentos. É uma projeção da vida interna deles. Procuramos usar a câmara em alguns momentos como se fosse a posteridade. É para ela que os poetas se confessam".
"A cadeia interferiu na pessoa dos poetas causando uma virada quase de tipo infantil. O inquisidor se confundia com o pai julgador, a rainha com a figura materna. Isto pode se observar muito nos poetas, e praticamente nada em Tiradentes. Ele apenas assume a culpa dele: 'eu ideei tudo sem que ninguém me instigasse'".
"A conspiração aparece reconstituída a partir da cadeia. Os tempos se misturam. Cada uma daquelas reuniões em que os planos se tramavam com amenidade, são agora também um inventário de culpas, somadas nos diálogos, nas atitudes de circunstância. A câmera vai e volta dos salões para as celas. Os espaços se misturam. No mesmo plano os personagens ocupam os salões dos inconfidentes e o confinamento da cadeia, o espaço livre das nascentes do Andaraí, onde tudo começou, e os limites fechados de um plano próximo, cara a cara com o espectador".
"Assim, o trabalho do autor de um filme sobre a Inconfidência parte como um inquérito sobre um inquérito, só que sem torpeza, para chegar ao que nos interessa: um estudo do comportamento dos presos políticos, especialmente intelectuais de formação burguesa. Procurei abandonar a definição convencional dos personagens históricos para procurar a verdade de sua humanidade contraditória, e explicitar constantes modernas da história. O filme coloca a câmera em três tempos cardeais da visão: a hora da morte, o envolvimento do presente (a conspiração e a cadeia) e a frieza da perspectiva histórica, distanciada e implacavelmente crítica. Um filme sem piedade, sem trégua, que é ao mesmo tempo um réquiem comovido, se isso é possível".
Excertos de entrevistas concedidas por Joaquim Pedro de Andrade publicadas no Jornal do Brasil, em 15 de abril de 1972, na Revista do Brasil e em "Depoimento especial".
In: O Cinema de Joaquim Pedro de Andrade, publicado em 1º de agosto de 1976, por ocasião da retrospectiva de Joaquim Pedro organizada pelo Cineclube Macunaíma.
Para conferir dados da ficha técnica do filme, acessem os site da Filmes do Serro, responsável por sua realização: http://www.filmesdoserro.com.br/film_in.asp
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